Medo de Semente.

 


Por: Thavilla C. Oliveira Lopes 

Toda criança tem daqueles medos bobos, não como o medo de escuro, que na verdade é o medo do desconhecido, pois nunca se sabe o que há no escuro, estou falando de medos como; elevador, bonecas realistas demais, medo de se machucar no apontador... as crianças não tem medo de cair, mas tem muito medo de sumir do mundo, ou de que um dia todes que conhecem simplesmente desapareçam... existem muitos medos bobos de crianças, que para as crianças faz todo sentido do mundo, meu medo de criança, era bem peculiar, eu tinha medo de sementes.

Minha vó, que é da roça, sempre me falou sobre como a semente germina, quando está em um ambiente acolhedor, ela começa a se abrir, e criar pequenas raízes, e finca na terra, e crescer, e quando é bem regada, essa semente, vira raízes, e depois caule, e ramos(filo) e frutos... essa semente cria novas sementes, e eu morria de medo das sementes.

Achava lindo a planta, vi uma vez uma semente abrir e criar raízes na terra, acompanhei, molhei para que ela crescesse, e quanto mais ela crescia, e ficava bonita, mais eu tinha medo das sementes. Isso porque na escola, aprendi que uma planta pode crescer em qualquer lugar, ouvi que existem plantas que crescem na terra, outras em pedra, e outras na água, já imaginou meu pânico, né? Pensando que se eu comesse por acidente uma goiaba poderia crescer uma goiabeira dentro de mim, e as folhas iam sair pelo meu nariz, pensa só...que loucura... pois bem... essa versão minha de criança passou um bom tempo com medo de comer frutas. Eu amassava a uva nos dedos antes de comer, separava as sementes e colocava no cantinho do prato, porque aí, eu podia até plantar, imagina o desperdício se eu comesse aquelas sementes e elas não pudessem ser plantadas? Agora imagina o horror de comer algumas e elas crescerem dentro de mim... Então eu comecei a fazer isso com todas as outras frutas, a única que eu comia segura era a manga, porque não havia nem perigo de engolir um caroço de manga...

Então, depois de um bom tempo com a ideia de que eu era solo fértil, falei com a tal professora sobre meu medo. E aquilo foi importante, lembro que primeiro ela sorriu, riu um pouquinho e me chamou em um canto, disse que as pessoas funcionam diferentes das plantas, mesmo que assim como as plantas os seres humanos precisem de água, nutrientes, e sol. Com a minha avó aprendi que as plantas precisam de jeitinho também, afeto, elas não crescem de todo jeito, e que se pudéssemos comparar gente com planta, ela disse, deveria ser na sua origem. Porque a planta precisa de solo fértil assim como a gente, mas que cada semente, tem seu solo fértil, nós humanos só somos solo fértil para outros humanos, e a planta não pode crescer na gente porque crescemos como a planta. 

Achei estranho nosso crescimento se assemelhar ao da planta, mas pareceu coerente. A professora disse que ´´se arrancamos as folhas das árvores, por exemplo, é como se arrancássemos os cabelos de alguém, mas se regamos a planta, é como se déssemos amor a alguém.``, comecei a perceber que a planta é mais parecida com a gente do que eu imaginava, antes a planta era como uma coisa feita para me servir, pois na minha cabeça, se nós humanos quiséssemos frutas plantaríamos a semente, onde quiséssemos, e regaríamos, se quiséssemos, e colheríamos seus frutos quando quiséssemos, mas depois da conversa com a professora, tudo foi ficando mais claro, porque em alguns lugares a semente não germina, e porque os passarinhos também espalham as sementes, assim como o vento, então a planta não precisa da gente para se espalhar, e a chuva molha a terra, assim como a gente ( mais do que a gente), e os outros animais deixam o solo fértil, de um jeito que não conseguimos deixar, e quando a planta cresce, quando a semente vira árvore ( ou pé como eu costumo chamar) ela dá os frutos no ritmo dela, não é verdade que tiramos quando queremos, por exemplo; alguns meses dá oliveira, outros meses dá caju, e o pequi? Que temos que esperar meses para aparecer, e quando aparece só cai quando quer, e só se come quando cai do pé?

As plantas passaram de um ser inferior para a minha prima próxima no conjunto de seres vivos, daí percebi que precisávamos da planta, tanto quanto ela precisava de nós, e tudo aquilo começava na semente, geralmente uma coisa pequenininha, que escorre entre os dedos, que pode se afogar, e cuja cada espécie, assim como cada pessoa precisa de um cuidado específico, tem seu tempo único para crescer, respira, e dá frutos, e mais sementes para o mundo, assim como nós seres humanos.

Eu já não tinha mais medo de semente, até parece que eu precisava ter, amiga como ela era, a semente era meu maior tesouro, segurar a semente era segurar a vida, aquilo que poderia vir a crescer, expandir, dar de comer, produzir oxigênio. Segurar a semente era ter vida nas mãos e perceber que até chegar ali a vida da semente foi agitada demais, e gerou várias outras vidas... aquilo era de tirar o fôlego.

Aquilo me fez pensar muito, sobre meus outros medos, ou sobre as coisas que eu acreditava, as coisas que eu achava que sabia, mas também sobre as coisas que eu guardava para mim, eu precisava perguntar da próxima vez, que sentisse medo, talvez fosse um medo bobo, como o do escuro, só medo do que não conheço, só mais coisas para conhecer, mais coisas para entender, e para respeitar ao entender, eu entendia bem mais do mundo agora, depois de uma conversa, bem mais do que quando somente escutei quietinha.

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