Escrita em primeira pessoa
Querido Diário...
Este é mais um texto da nossa série de textos; Diário de Estudante de Filosofia
Quando era criança, lembro que adorava escrever,
escrever de forma extracurricular, principalmente. Aprendi a ler muito cedo e
preferia ficar na biblioteca no intervalo a compartilhar o espaço aberto da
escola com os colegas, eu gostava do cheiro do papel, da textura do papel,
gostava de observar as formas da letra, o cheiro da caneta, gostava de ver o
traço se formando, as vezes quando queria muito dizer algo eu escrevia rápido,
de um jeito que nem entendia o que tinha feito quando ia ler depois, e por
algum motivo, depois de escrever rápido eu não conseguir decifrar a caligrafia,
eu não fazia ideia do que queria dizer, do que senti quando disse ou do porque
estava tão agitada ao querer escrever. Mas tinha aqueles momentos, em que eu simplesmente
me sentava e observava o papel, e todos os outros detalhes. Eu adorava esses
momentos, e a escrita? Geralmente era em primeira pessoa, mesmo que eu
estivesse escrevendo sobre outras pessoas, eu arrumava um jeito de escrever em
primeira pessoa, e era por isso que as aulas de redação eram as minhas
favoritas. Lembro bem de estar no terceiro ano (antiga segunda série do
fundamental) e escrever uma redação sobre um peixe dourado, bichinho de estimação
de uma garotinha, e adivinha? Eu era o peixinho!
Registrar sua existência nesse mundo;
Pode parecer poético, mas uma das minhas coisas
favoritas na escrita em primeira pessoa, era registrar a minha forma de ler o
mundo, mesmo muito falante, eu costumava não compartilhar minhas esquisitices e
teorias de conspiração com as pessoas, guardava algumas observações do mundo
para mim, ou melhor, para os papeis, eu não sabia se um dia teria leitores, mas
gostava de pensar que sim, eu registrava que o menino da segunda fileira havia
sido cruel comigo, registrava o que eu acreditava ser o motivo, como me sentia
diante daquilo e como poderia mudar, registrava o que a professora havia dito
que me chamou atenção, registrava o que observava no caminho pra escola quando
o dia estava claro, e o caminho de casa quando o dia era escuro, os registros
eram importantes pra mim, como uma forma de não me perder no mundo, eu achava
que de alguma forma, se eu não escrevesse, como saberiam que um dia tais coisas
já existiram e como saberiam que eu já existi?
Sentir-se no mundo de outres;
A leitura em primeira pessoa era ainda mais prazerosa,
se era interessante escrever sobre meu mundo, quem dirá entrar no mundo
particular das outras pessoas???
Eu lembro de gostar de quadrinhos, e dar ênfase aos retângulos,
e preferir quando as frases eram ´´Achei que morreria!`` e não ´´Ele achou que
morreria``. Afinal, como poderia saber o que alguém achou sem que esse alguém
tivesse lhe dito? Eu também adorava as descrições dos espaços, como se eu
estivesse sido transportada para um lugar em que nunca estive, adorava a
descrição dos cheiros, das temperaturas, adorava a descrição das cores e das
formas, como se eu estivesse conhecendo um lugar novo a cada capítulo, conhecer
um lugar novo, implicava ver pelos olhos de outras pessoas, ver pelos olhos de outras
pessoas tornava a realidade mais palpável, e a fantasia mais real.
Perceber meu mundo pelos olhos de outres;
A sensação de descobrir que outras pessoas enxergam o
mundo com lentes como as suas, é inexplicável, abrir aquele livro e se enxergar
naquela narrativa em primeira pessoa, ou a simples sensação de ver sentido na
escrita... até a menor das semelhanças com a personagem principal, ou com suas
ideologias, com seus gostos, tudo isso desperta a curiosidade de estar atenta a
história, as lições que se pode obter nela, e no final.
É compreensível que a escrita em primeira pessoa
desperte a vontade de escrever, que a leitura em primeira pessoa desperte a
curiosidade de ler, puxando o indivíduo para a realidade, levanto a perceber
além das páginas, levando a notar a mão que fez os rabiscos!
Continua...
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